Há uma fase por qual qualquer saga passa quando começa a fazer sucesso: a comparação. Percy Jackson tentou fazer dinheiro no cinema quando começou a ser comparado com Harry Potter (há semelhanças, claro, mas um contexto muito diferente); As Crônicas de Gelo e Fogo traz até o comentário de um crítico comparando a saga com O Senhor dos Anéis na contra-capa do primeiro livro; e agora temos Jogos Vorazes, a trilogia best-seller de Suzanne Collins que muitos comparam com A Saga Crepúsculo.
E o pior de tudo isso é que a própria editora dá asas à comparação ao inserir um elogio da escritora Stephanie Meyer na contra-capa. Uma jogada de marketing (óbvio, pra isso esses comentários existem no lugar onde eles existem!), afinal, é o convite pra que os fãs de Bella se interessem por Katniss. Mas será mesmo que é uma jogada válida? A trama de uma garota indecisa entre dois amores impossíveis encaixa-se em um mundo onde crianças precisam aflorar seu instinto de sobrevivência em um jogo que decidirá sua vida? Essa, sim, é a questão primordial em qualquer debate sobre um tema tão infrutífero. De resto, é só apelação dos estúdios (sim, porque Jogos Vorazes terá sua primeira adaptação cinematográfica ano que vem) e quaisquer outros que tenham direitos sobre a trilogia pra chamar atenção do bolso do público.
O enredo de Collins chama atenção desde o início, quando somos avisados de que a América do Norte foi destruída (e não há qualquer menção a outros continentes do nosso mundo) e um novo continente foi erguido, dividido por uma capital e vários outros distritos. Um dia, esses distritos se rebelaram contra a Capital. Perderam e, como um aviso, a Capital criou os Jogos Vorazes, onde cada distrito deve, todos os anos, oferecer duas crianças para que essas lutem pela sua vida em uma arena perigosa, monitorada e vigiada por todo o país.
É neste contexto que conhecemos Katniss, a protagonista da história. Uma menina que desde cedo teve que sustentar sua família com a morte do pai e a doença da mãe. A protagonista é uma das responsáveis pelo sucesso do livro, sem dúvida alguma. Ela não é sem sal e nem antipática, na verdade ela é uma caçadora nata, com um gene peculiar e bem particular, que surpreende e encanta com suas estratégias e habilidades. Junto com ela, lutando pela sobrevivência, temos ainda o simpático e misterioso Peeta - que acaba virando um suposto interesse romântico de Katniss, junto com o amigo da garota e companheiro de caça, Gale. Mas não precisa se assustar, porque Collins não dedica grande parte a esse trio romântico (por isso a tal comparação com Crepúsculo). Na verdade, a escritora se dedica mesmo a um ótimo suspense psicológico e físico. Todas as cenas na arena causam um tremendo frisson que sustenta uma leitura viciante. Além disso, temos uma crítica espetacular à sociedade capitalista abusiva (aqui representada pela Capital e pelos primeiros distritos), e o que ela causa às "classes baixas".
Claro, Jogos Vorazes não é imune de pontos negativos. Há personagens e passagens que são construídos de forma infantil e bastante cartunesca. Um exemplo é Haymitch, com seu vício alcoólico exageradamente demonstrado através de estranhos ataques de vômito. E o que dizer dos presentes dos patrocinadores chegarem aos jogadores através de paraquedas? Além de ser uma forma dos oponentes descobrirem a localização dos demais - e nenhum personagem parece estar ciente de algo tão óbvio -, é uma ideia à lá desenho animado, e pouco plausível - mesmo num mundo onde existem chuveiros com centenas de opções de temperatura e aroma da água e aparelhos que desembaraçam seus fios de cabelo apenas tocando-os, como é o caso da Capital. Há também o lance das bestas no final, onde não entendemos bulhufas.
Jogos Vorazes é uma leitura apaixonante e surpreendente. Momentos espetaculares, personagens carismáticos, tensão o tempo todo e uma mensagem sensacional transmitida da melhor maneira aos leitores. Super recomendado!