A Magia de J. K. Rowling
As histórias de magia, feiticeiros e poções andavam em baixa (pela péssima criatividade e qualidade de seus enredos) quando a genial J. K. Rowling deu vida à Harry Potter. Segundo ela, em1990, ele simplesmente "surgiu" em sua cabeça, enquanto viajava de trem de Londres para Manchester. Quando chegou em casa, escreveu os três primeiros capítulos de Harry Potter e a Pedra Filosofal, mas logo parou, pois fora morar por um tempo em Portugal para dar aulas de inglês. Porém, ao voltar à Grã-Bretanha, retomou o projeto, que viria, mais tarde, a ser uma franquia de sucesso pelo mundo inteiro. Em 1997, a Editora Bloomsbury lança a primeira edição do livro. "Nos dez anos seguintes, J. K. Rowling iria praticamente respirar Harry Potter"*.
É extrema ignorância dizer que o "mundo" criado por Rowling não é inteligente, complexo e, ao mesmo tempo, divertido e empolgante. Todos os personagens, subtramas e elementos mágicos são tratados com tal realismo, que fazem você acreditar que, se olhar diretamente nos olhos de um Basilisco, você morre; ou que, ao misturar raízes de valeriana, losna, asfódelo e vagem soporífera, forma-se a Poção do Morto-Vivo, uma espécie de sonífero. Enquanto, por um lado, Rowling cria novos elementos fantásticos, de outro, ela aproveita os símbolos de bruxaria que já conhecíamos e acrescenta características suas, como cada varinha ter sido criada com um tipo específico de madeira e núcleo.
Porém, o mais intrigante no enredo de toda a franquia é a ligação desta com o mundo real; conforme Harry cresce, seus problemas vão aumentando e ficando cada vez mais maduros, fazendo com que a trama, em si, amadureça (tendo como o início de tal amadurecimento o terceiro livro). Afinal, para que o público se identifique com o personagem e a história, o autor não pode deixar de lado as questões sociais. Em Harry Potter, Rowling aborda praticamente tudo, como o bullying, racismo, ambição, orgulho, entre outros. Um dos assuntos mais intensos é a discriminação familiar. Até os onze anos, Harry é maltratado pelos tios e pelo primo; assim, quando descobre o mundo mágico, onde tem amigos e uma casa (ele chega a dizer várias vezes que Hogwarts é sua verdadeira casa), o bruxo se depara, pela primeira vez, com o conforto e a segurança de se sentir amado. E o amor é um outro tema bem explorado por Rowling. Lílian morreu para salvar Harry: há um exemplo melhor de amor do que o de uma mãe salvando a vida de seu filho? E foi por este motivo que Voldemort desapareceu àquela noite, e Harry Potter ganhou a cicatriz em forma de raio em sua testa.
Em Harry Potter e o enigma do Príncipe, enquanto a trama assume um enredo mais dramático (principalmente com o desenvolvimento da personalidade de Draco Malfoy, o passado de Voldemort e a revelação oficial ao mundo bruxo da volta deste), Rowling desenvolve os hormônios adolescentes, e suaviza a trama com poções de amor, romances atuais e romances do passado. Já em Relíquias da Morte, o exílio de Harry, Rony e Hermione acaba se tornando o verdadeiro antagonista da trama, mesmo com um grande rival. Sozinhos no mundo, eles têm a dificílima tarefa de encontrar e destruir as horcruxes de Voldemort. Três adolescentes sozinhos, lutando contra um mal aparentemente inextinguível. E, no resumo de tudo, permanece a certeza de que J. K. Rowling é genial, e de que Harry Potter não acaba por aqui.
*Criativo trecho retirado do especial da revista Mundo Estranho "100 Respostas - Harry Potter".
As Traduções Brasileiras
Os tradutores brasileiros têm a mania de infantilizar suas traduções; e Lia Wyler (a tradutora responsável pela versão brasileira da franquia), mesmo realizando, em sua maioria, um bom trabalho na tradução dos livros de Rowling, mantém tal clichê algumas vezes. Vou citar, como exemplo, a tradução do Hino de Hogwarts. Enquanto a tradutora de Harry Potter e a Pedra Filosofal (livro onde o hino aparece) em Portugal criou uma canção bem mais poética (com direito à rimas), Wyler acaba abobando o hino, com frases que nos levam à crer que a profissional traduziu Harry Potter e a Pedra Filosofal pensando apenas nos pais que leriam os livros para as crianças (como o quarto e o oitavo verso). Confira:
Versão original
"Hogwarts, Hogwarts, Hoggy Warty Hogwarts,
Teach us something please,
Whether we be old and bald,
Or young with scabby knees,
Our heads could do with filling,
with some interesting stuff,
For now they're bare and full of air,
Dead flies and bits of fluff,
So teach us things worth knowing,
Bring back what we've forgotten,
Just do your best,
we'll do the rest,
And learn until our brains all rot."
Versão portuguesa
"Hogwarts, Hogwarts, infalível, Hogwarts,
Ensina-nos, por favor
Quer sejamos velhos e calvos
Ou jovens em pleno vigor,
Nossas mentes precisam de ser
Repletas de coisas interessantes
Pois estão vazias e cheias de ar
Como balões de gigantes.
Ensina-nos o que tiver valor
Faz-nos lembrar paz e tormenta
Dá o teu melhor, enche por favor
Toda a nossa massa cinzenta!"
Versão brasileira
"Hogwarts, Hogwarts, ó querida Hogwarts,
Venha nos ensinar
Quer sejamos velhos e calvos
Quer moços de pernas raladas,
Temos as cabeças precisadas
De ideias interessantes
Pois estão ocas e cheias de ar,
Moscas mortas e fios de cotão.
Nos ensine o que vale a pena
Faça lembrar o que já esquecemos
Faça o melhor, faremos o resto,
Estudaremos até o cérebro desmanchar"
O que mais atormentou e provocou ira dos fãs foi a tradução dos nomes das Casas Comunais de Hogwarts. Cada uma delas leva o sobrenome de seus criadores: Hufflepuff ficou Lufa-Lufa, Gryffindor virou Grifinória, Ravenclaw tornou-se Corvinal, e Slytherin ficou Sonserina. Desta forma, Wyler acabou com o significado dos nomes dados por Rownling (Slytherin: Sly é astuto, fingido em inglês, por exemplo) e provou mais ainda que os tradutores brasileiros não gostam muito de utilizar nomes ingleses em suas traduções. O próprio nome do pai de Harry Potter foi modificado, de James para Tiago. Sendo assim, seu nome completo ficou Harry Tiago Potter. Já o nome de uma das jogadoras do Time de Quadribol da Grifinória foi alterado tão de repente que os fãs podem até mesmo escolher se preferem dizer Cátia Bell ou Kate Bell.
Há traduções que dividiram a opinião do público, como a palavra "Muggle" (quem não tem magia) ser trocado por "Trouxa", que, no Brasil, pode ser usado como um adjetivo ofensivo e é também o nome dado para um embrulho grande.
Porém, é claro, Wyler merece mais elogios do que críticas pelo seu trabalho. Ela chegou a ser elogiada por Rowling ao criar várias palavras, como "Quadribol", "Lembrol", " Penseira", entre outros. Há também a ótima tradução do nome de um dos imãos de Rony Weasley: Bill Weasley. Em inglês, Bill é apelido para William e, como William em português quer dizer Guilherme, o nome da personagem ficou Gui Weasley.
A Fidelidade nos Cinemas
A indústria cinematográfica não ia deixar essa ótima saga de livros sem uma franquia de filmes. Em 1998, a produtora Warner Bros. comprou o projeto, contanto que respeitasse as condições de Rowling. Todos os integrantes do elenco tinham que ser britânicos, com exceção de poucos. Ela sempre está presente dando idéias e observando a produção dos filmes de sua franquia. Isso é que é mãe!
Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, dirigido por Chris Columbus, o livro todo praticamente está na telona. Primeiramente, somos apresentados à Daniel Radcliffe protagonizando o filme (eles são bem parecidos, com exceção dos olhos de Radcliffe que são azuis e não verdes, como os da personagem). Há personagens que são tão parecidos, que, quando lemos os livros, podemos até mesmo imaginar os atores. Um exemplo é toda a família Dursley, Severo Snape e Alvo Dumbledore. O roteiro mantém todas as partes relevantes, e a única grande falta é a última fase para chegar à Câmara da Pedra Filosofal (aquela das poções, feitas pelo professor Snape), que poderia ter sido incluída. A ausência do fantasma Pirraça foi muito questionada pelos fãs. Os efeitos especiais, embora não muito avançados, criaram um realista Trasgo e uma lindíssima Hogwarts, com o auxílio da ótima direção de arte. O figurino é um show à parte, pois a idéia de colocar os emblemas das Casas Comunais no uniforme foi ótima. A trilha sonora de John Williams se tornou clássica!
Já no segundo filme, Harry Potter e a Câmara Secreta (também dirigido por Columbus), o roteiro prova-se ainda mais fiél ao livro do que seu antecessor, já que este tem um maior número de páginas (287, contra 262 de A Pedra Filosofal). Os efeitos especiais se aprimoraram, com destaque para o gigante Basilisco e às Acromântulas.O cenário da Câmara Secreta foi muito bem criado, e a entrada de Kenneth Brannagh como Gilderoy Lockhart foi satisfatória, assim como Bonnie Wright, interpretando Gina Weasley, irmã mais nova de Rony. Porém, o grande ápice do filme é o engraçadíssimo Dobby, o elfo doméstico, criado magistralmente pelos efeitos visuais.
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban foi um ápice na franquia. Pra começar, o elenco mirím aprimorou a atuação, e o novo diretor Alfonso Cuarón dá uma criatividade imensa ao filme (os Dementadores são ÓTIMOS!), e o clima sombrio da fotografia tem a ajuda da ótima trilha sonora. A fidelidade, claro, vai diminuindo, já que o terceiro livro tem 384 páginas, mas os melhores momentos são tão bem aproveitados que você até esquece do que faltou. Os planos finais, onde Harry e Hermione usam o Vira-Tempo, são totalmente empolgantes, e Michael Gambom como Dumbledore oferece uma agilidade maior ao personagem (Richard Harris, o antigo intérprete, faleceu logo após as filmagens do segundo filme). Os efeitos visuais são muito melhores que os dos filmes antecessores. A cena final no lago é um marco na história do cinema, assim como a transformação do Lobisomem. Hogsmeade é retratada maravilhosamente!
Harry Potter e o Cálice de Fogo, assim como seu antecessor, se tornou um dos preferidos do público. Os efeitos visuais estão presentes praticamente em todas as cenas (dando destaque às Três Tarefas, principalmente a primeira, com os dragões). Porém, a fidelidade começa a diminuir sua qualidade (o livro tem 483 páginas). Todos os fãs sentiram falta do F.A.L.E. (organização criada por Hermione para libertar os elfos domésticos), e, claro, do próprio Dobby, que é um dos personagens preferidos do público, e que só aparece novamente no sétimo filme (sendo que deveria ter aparecido neste, no quinto e no sexto também). Há também a ausência da Cozinha de Hogwarts, que tinha sua presença aguardada por todos os fãs da série. O encontro de Harry e Voldemort foi épico, assim como no livro, mas foi duvidosa a qualidade da idéia de colocarem os Comensais da Morte para voar, carregando uma fumaça negra.
Muitos fãs não gostaram de Harry Potter e a Ordem da Fênix por culpa da baixa fidelidade para com o livro. Mas não havia mesmo o que fazer, visto que a obra literária é a maior da franquia, com 702 páginas (J.K. Rowling anunciou que estava sofrendo de "bloqueio de criatividade"). Faltaram muitos personagens e muitas cenas, como as limpezas no Largo Grimmauld, a briga de Harry e Cho em Hogsmeade, um melhor desenvolvimento da história da profecia, entre outros. A cena em que Percy Weasley segura Harry no escritório de Dumbledore chega a se tornar burlesca, já que o roteiro não explora a briga deste com a família e, por conseguinte, de sua entrada no Ministério. Todos os atores parecem ter nascido para realizar seus papéis, com exceção de Helena Bonham Carter. A Comensal da Morte é apresentada no livro com feições duras, mas bela, o que passa longe da aparência de Carter, mas ela realiza uma Belatriz Lestrange tão perfeita, obcecada e neurótica, que nem tiramos nota do filme por isso. Imelda Statunton está simplesmente perfeita no papel da irritante Dolores Umbridge, e Evanna Lynch praticamente é a Luna Lovegood. O diretor David Yates consegue explorar melhor a atuação de Daniel Radcliffe (que nunca consegue passar emoção), além de realizar planos ótimos, como o duelo final. Aqui, enquanto os Comensais da Morte ganham "fumaça" negra, os membros da Ordem da Fênix adquirem uma "fumaça" branca, fugindo muito do apresentado no livro. Outro fator negativo é que as pessoas que têm tais "fumaças" conseguem aparatar e desaparatar no Ministério da Magia (um ótimo cenário, aliás), o que é um absurdo.
Como eu já até mesmo disse, J. K. Rowling suavizou a trama de Harry Potter e o enigma do príncipe com os hormônios adolescentes, mas o lado obscuro da trama ainda permanece maior que o lado romântico. Porém, no filme, o roteiro utiliza poções do amor, beijos e momentos engraçados em abundância, sobrepondo as cenas de ação e adrenalina, que, por um acaso, são ótimas. O que os fãs mais sentiram falta no filme é a quantidade de lembranças em que Dumbledore e Harry entram. Enquanto no filme são apenas duas, no livro são muitas, e a maioria com grande importância para o desfecho final da saga. A implantação da cena onde A Toca pega fogo foi genial, pois serve para atualizar o público sobre o verdadeiro status do mundo bruxo no momento. O grande destaque do elenco, desta vez, é Jim Broadbent, realizando com muita perfeição o professor Horácio Slughorn.
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 já estreou, e esperaremos chegar o último filme da série para atualizarmos o post com a fidelidade de ambos os filmes para com o livro Harry Potter e as Relíquias da Morte.